A SETA -> Parte 2: Morte na corporaçao.

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POR RODRIGO VIDAL FERRAZ E GUSTAVO GESSULLO

Matei o primeiro, alias, semana passada. Eu estava la, numa maldita reuniao. Era um destes gerentes safados, novo na empresa, estava ainda meio perdido no cargo, mas como o cara tinha de provar que era bom pra estar onde estava, fazia um bom tempo que estava causando tumulto, estava sendo cuzao, atacando, falando alto, usando do poder. Na verdade, Gerente é um cargo ingrato de merda, porque você manda, mas ao mesmo tempo nao tem poder nenhum. Ou seja, você acha que manda, mas no fundo você é o pau mandado do diretor. O cabo que é encarregado do serviço sujo que o diretor um dia ja fez quando foi gerente. Por outro lado, o gerente goza de “poderes” que abaixo dele ninguem pode. A vaga na garagem, o bonus anual, o celular da empresa, entre outras pequenas merdas que fazem o cara sonhar. É o funça classe-média, nao é pobre, nao é rico, mas é particular. O cara tem boleto de taxi a vontade… uma merda, mas para o mundo corporativo isso é demais… ele assina as ferias dos funças dele, ele decide a escala de fim de ano, a porcentagem de aumento e quem o merece. A sindrôme do pequeno poder. Um gerente sera sempre um merda dentro da corporaçao, por isso que ele quer virar logo diretor, pra se sentir menos merda e com mais poder. Afinal, o diretor é um outro merda tambem, manda mais que o gerente mas serve de capacho para VPs, Superintendentes, Conselheiros e Presidentes. Ele nao sera linha de frente com os funças da empresa, sera usado como mordomo dos caras mais altos que ele. Ambiente corporativo é como se fosse uma escada, pra subir você precisa pisar em cima de alguem. Em quem o presidente vai pisar? No diretor, afinal ele ja foi diretor um dia, por isso ele pode esporrar. “Ah, quando eu era diretor…” , diz o Presidente. O cara ta criando elegibilidade pra dar porrada em diretor. Resumindo, o cara nao precisa ser bom, ele precisa ser esperto e usar a maquina em seu favor. A hora que o diretor te fode, te dando uma missao quase impossivel, você se ve na mao, desesperado. A unica solucao é sair fodendo todo mundo antes que você leve o chumbo… é matar ou morrer.

O Gerente em questao tinha um projeto na mao, estava na merda com os prazos e queria colocar a patota inteira no mesmo barco. Ele nao queria assumir os louros de um fracasso proeminente. A seta nao perduou o excesso de ego. Eu tinha desenhado uma seta unica, impar, aquele dia eu estava com duas canetas no bolso, uma azul e outra vermelha. Fiz as bordas de um azul escuro, bem pintado, e dentro pintei primeiro de azul, bem leve, e por cima passei a caneta vermelha, o que deu um tom sobrio, feroz à seta. E nao demorou muito para que ela piscasse, ironicamente apontada para o safado com a corda no pescoço. Na minha alucinaçao, que insisto em chamar de um tipo de mediunidade, uma forma de prever as coisas, eu o matava com as duas canetas enfiadas no pescoço. E foi assim, entao. Logo depois da reuniao ele foi pro banheiro, eu segui. Nao tinha ninguem, so eu e ele. Quando ele pensou em arriar as calças pra mijar, as duas canetas ja estavam fincadas, morte rapida, sem gritos. Retirei as canetas, limpei tudo rapidamente e voltei pra minha mesa, perfeito, sem testemunhas. O alvoroço de um corpo no banheiro nao tardou a acontecer e rapidamente a radio peao espalhou a noticia e ja era escandalo. A corporacao é um ambiente teatral, entao podemos dizer que teve choro, gritos, gente agachada no chao, como se o Pai tivesse morrido.

 

A policia veio mas nao sabia muito bem oque fazer. Afinal, sao mais de 500 funcionarios, um mar de gente para interrogar, um mar de suspeitos. A corporacao é um ambiente conspiratorio, as pessoas criam intrigas, é uma teia de aranha complexa demais para um trabalho policial. A fofoca é a arma mais poderosa do baixo clero… é o prazer de foder o sistema. É o maximo que você pode fazer sem se comprometer, você espalha o boato, semeia a discordia, mas nao contesta e nem assina nada. Tudo por tras, as escuras…cada um quer livrar o seu rabo da reta, mesmo que nao tenha nenhuma culpa no cartorio. A corporaçao exalta a defensiva, e num nivel inconsciente você esta sempre armado para se defender. Ai tem gente que vai lembrar de historias, que nem sabem se foram criadas ou sao verdadeiras

 

« é policial, certa vez ele discutiu com o cara de T.I, um bate boca feio »

« eu ouvi dizer que ele nao bicava muito bem com seu estagiario »

« ninguem gostava muito dele »

« ele tinha muitos inimigos aqui dentro »

« o cara pisou na bola com uns peixes grandes »

 

Eu ria por dentro de tanta tranquilidade. O interrogatorio durou semanas, um por um foi chamado numa sala improvisada que a policia montou dentro da empresa. Cameras foram inspecionadas, mas nenhuma apontava para o caminho do banheiro. Agora a empresa tinha colocado cameras espalhadas por todos os cantos, catracas para controlar entrada e saida de funcionarios, até mesmo um segurança na porta dos toiletes, o terror havia dominado a corporaçao. Tinha gente que nao cagava mais, nem mesmo mijava mais nos banheiros corporativos, esperavam a hora do almoço, a hora do café. A lista de suspeitos divulgada pela policia tinha em sua maioria nomes de Gerentes e Diretores, apenas duas pessoas com cargos inferiores estavam la e ambos trabalhavam diretamente para o gerente morto. Isso ja nao é teatro, é novela, de tao obvio. A seta tinha que continuar…alias pensei…nunca desenhei uma seta em um happy hour. Chegou a hora.

 

CENAS DO PROXIMO CAPITULO: A SETA – O HAPPY HOUR

 

…Happy hour corporativo…momento da vida em que passar a mao na bunda de alguem pode ter consequencias gigantescas. Pode dar casamento, uma trepada no banheiro sujo do boteco, demissao ou até morte…

…É o perigo ao extremo, joga-se alcool por cima do sinismo e da falsidade…

…A cana torna o cidadao valente, corajoso, despojado, muitas vezes agressivo, tudo o que um bom funça nao pode ser…

…Se perde a noçao da escala do poder…se cria uma nocao de amizade, alegria e companheirismo que nao existe… é so um momento de euforia, que no dia seguinte nao existira mais…

4 Responses to “A SETA -> Parte 2: Morte na corporaçao.”

  1. Guga, je n’ai pas lu encore ce post, mais je voulais juste te dire à quel point ton français m’impressionne. Comme je l’ai écrit sur mon blog (d’ailleurs merci pour ton commentaire), tu t’exprimes mieux que beaucoup de francophones que je connais. Fucking bravo, cara! Tenho orghullo de você, meu velho!

    Até amanhã,
    Danny Boy

  2. marcelo alves Says:

    [gargalhadas] sensacional essa série! …tem tanta realidade que chego a pensar que não é um conto num blog do amigo e sim uma ata da semana passada!

    abs,
    marcelo

  3. Foda… a seta vai te pegar…

  4. […] A SETA – PARTE 2: MORTE NA CORPORAÇAO, clique aqui […]

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